O novo crime de perseguição contumaz (stalking) e a responsabilidade do síndico

Entrou em vigor no dia 1 de abril de 2011 a Lei n° 14.132/21, cujo projeto, da autoria da Senadora Leila Barro, do Partido Socialista Brasileiro (PSB) do Distrito federal, uma vez transformado em lei, reforça a pauta dessa legisladora que tem procurado, ao longo de sua trajetória política, carrear ao ordenamento jurídico pátrio, diversos dispositivos normativos caracterizados pela especial proteção da mulher, vítima de violência doméstica, familiar ou decorrente de relações de afeto.

O tema se apresenta como relevante para os condomínios, seja pelo fato de que o Brasil se apresenta com a trágica classificação de quinto país do mundo com o maior número de feminicídios, onde mais de 70% desses delitos são praticados por alguma pessoa próxima das vítimas, seja pelo fato de que, durante a pandemia, foi identificado um expressivo recrudescimento da violência contra a mulher dentro da sua residência, exigindo não raro o empenho do síndico em levar a “noticia criminis” ao conhecimento das autoridades policiais.  

É fato que, dentre as violências cometidas contra a mulher, a Lei Maria da Penha já posicionava em destaque a denominada “violência psicológica”, a qual se faz presente, de forma análoga, no texto do novo crime de perseguição contumaz.

A nova infração criminal, prevista expressamente no art. 147-A do Código Penal, apresenta-se sob o formato de um subtipo do crime de ameaça, descrevendo como conduta proibida o ato de “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

A vítima da perseguição obsessiva culmina por sofrer forte pressão psicológica e por temor, passa a restringir o seu próprio espaço de atuação e de liberdade; infelizmente, tal comportamento é mais comum do que podemos imaginar, uma vez que tal prática se manifesta presente em relacionamentos tipicamente abusivos, mormente nos casos em que um dos parceiros, inconformado com o desenlace e o término do relacionamento, passa a intimidar e perseguir o outro.

A de pena prevista para o referido delito é reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa; essa mesma pena privativa de liberdade poderá ser aumentada de metade na hipótese da vítima ser criança, adolescente ou idoso, mulher,  por razões da condição de sexo feminino, ou ainda mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

A competência para o processamento e julgamento do referido delito é dos Juizados Especiais Criminais, uma vez que a pena indica se tratar de um delito de pequeno potencial ofensivo.

Assim, e conquanto já tenhamos colhido críticas oriundas da sociedade no sentido de que o legislador teria previsto para o referido delito uma pena por demais branda, certo é poder afirmar que houve um avanço em relação ao sancionamento dessa conduta altamente reprovável, seja pelo fato de que o ato de perseguir uma pessoa de forma reiterada deixa de ser uma mera contravenção penal (o art. 65 da Lei de Contravenções Penais – “perturbação da tranquilidade” é revogado pela nova lei), seja pelo fato de que o novo crime admite que a perseguição, desde que reiterada, possa vir a ser praticada por qualquer meio.

Esse qualquer meio inclui, por certo, não somente a perseguição física e presencial, como na hipótese do ex-namorado ou ex-marido que segue perseguindo e acompanhado repetidas vezes a ex-consorte de sua casa para o trabalho e/ou do trabalho para casa, como também aquele que faz uso das redes sociais para importunar, de forma sistemática, a pessoa da vítima, trazendo-lhe desconforto e incômodo apto a atingir de forma significativa a sua esfera de liberdade ou de privacidade.

No que se refere à importunação no ambiente virtual, se haverá de observar que a mesma haverá de se materializar por meio de perseguição constante nas redes sociais, através da criação de perfis anônimos em que o agente passa a acompanhar a vítima em seu ambiente de trabalho ou de estudo virtual, por meio de envio de e-mails ou de mensagens eletrônicas nas mais diversas plataformas digitais, todos esses comportamentos cuja síntese pode ser denominada de  cyberstalking.

Deve, portanto, o síndico atentar para a possibilidade da existência de medidas restritivas em favor da vítima, hipóteses em que o gestor condominial deverá orientar os colaboradores da portaria, seja ela física ou virtual, para que seja cumprido, com exatidão, eventual mandado judicial que possa ter determinado o afastamento do ex-marido ou ex-namorado da residência da vítima, bem como a determinação oriunda do Poder Judiciário de possível distanciamento em relação a mesma.

Por óbvio que o síndico não poderá adotar tais medidas caso não tenha recebido da vítima as orientações e documentações necessárias, no que recomendamos ao gestor condominial que acione, por ocasião de ocorrências dessa natureza, o advogado do condomínio, para que este profissional possa acompanhar essa situação por demais delicada e especial, tudo e para o fim de cumprir a lei e não fazer com que o síndico venha a responder por omissão diante do seu dever jurídico de agir.

– Texto de Vander Ferreira de Andrade
Advogado Criminal e Especialista em Direito Condominial;
Presidente da Associação Paulista de Síndicos Profissionais;
Pró-Reitor do Centro Universitário Fundação Santo André.