Condôminos inadimplentes podem ser proibidos de usar as áreas comuns?

Olá, caros leitores! Trago mais um tema polêmico que permeia o cotidiano condominial.

Não é raro ouvirmos pela rádio corredor dos condomínios e, infelizmente que determinado condômino fora impedido de frequentar a piscina, a academia do prédio, ou teve o fornecimento de água/gás/luz cortados, e até mesmo fora impedido de usar os elevadores por estar inadimplente.

Esse cenário traz muitas dúvidas aos moradores e também a alguns (mas) síndicos (as) quanto à legalidade de tais ações. Afinal, a legislação permite tal conduta?

Primeiro, cabe esclarecer que o direito de propriedade é garantido pela nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXII.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII –  é garantido o direito de propriedade;

No que diz respeito ao Código Civil, o artigo 1335, inciso II estabelece como um dos direitos do condômino, o uso das partes comuns conforme a sua destinação.

Art. 1.335. São direitos do condômino:

II – usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

O artigo 1339 do Código Civil determina que os direitos que cada condômino possui em relação às partes comuns são inseparáveis de sua propriedade exclusiva, ou seja, as áreas comuns também são de propriedade de cada condômino.

Art. 1.339. Os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de sua propriedade exclusiva; são também inseparáveis das frações ideais correspondentes as unidades imobiliárias, com as suas partes acessórias.

Será que a inadimplência por si só afasta o direito de propriedade e com isso confere poderes ao (a) síndico (a) para restringir o uso das áreas comuns? A resposta é não!

O fato de estar inadimplente não retira do condômino o direito de propriedade tampouco os direitos de uso e fruição da coisa.

É ilícito o ato de privar o condômino inadimplente ao uso de qualquer área comum, configurando abuso de direito, conforme entendimento de nossos tribunais.

Vejamos a decisão proferida pela 25ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

“0032585-80.2017.8.19.0204 – APELAÇÃO Ementa sem formatação 1ª Ementa Des(a). MARIANNA FUX – Julgamento: 24/06/2020 – VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. ALEGAÇÃO AUTORAL DE IMPEDIMENTO DE RESERVA DE SALÃO DE FESTAS E CHURRASQUEIRA EM RAZÃO DE INDEVIDO REGISTRO DE INADIMPLEMENTO DE COTAS CONDOMINIAIS PAGAS PELO ANTIGO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARA DETERMINAR AO RÉU A LIBERAÇÃO DO ACESSO DA AUTORA À ÁREA COMUM E CONDENÁ-LO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS NO VALOR DE R$ 5.000,00. RECURSO DO DEMANDADO. 1. Deixo de conhecer do segundo recurso de apelação interposto pelo apelante, por patente violação ao princípio da unirrecorribilidade e configuração da preclusão consumativa com a apresentação do primeiro apelo. 2. Configura ato ilícito a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do condomínio, incorrendo em abuso de direito qualquer disposição condominial que determine a proibição da utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. Precedentes: REsp 1699022/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/05/2019, DJe 01/07/2019; 0024380-84.2016.8.19.0208 – Apelação – Des(a). Antonio Carlos dos Santos Bitencourt – Julgamento: 05/12/2018 – Vigésima Sétima Câmara Cível; 0020496-89.2016.8.19.0000 – Agravo de Instrumento – Des(a). Fernando Fernandy Fernandes – Julgamento: 15/06/2016 – Décima Terceira Câmara Cível. 3. Apelada que comprovou o impedimento, mediante o encaminhamento de telegrama e e-mail à síndica do réu/apelante, esclarecendo o pagamento do débito do antigo proprietário do imóvel, bem como o adimplemento da parcela do termos de acordo e confissão de dívida assinado em janeiro de 2017, apontando as datas em que pretendia reservar o salão de festas e foi impedida, em razão da situação de devedora. 4. Danos morais caracterizados, na medida em que a conduta ilícita fere, à luz da atual perspectiva do direito civil-constitucional, segundo a qual incidem princípios protetores à dignidade da pessoa humana às relações privadas, direitos à liberdade, à moradia, à propriedade e ao lazer, ensejando o dever do ofensor de reparar os danos causados à esfera extrapatrimonial do condômino atingido. 5. A quantia arbitrada em R$ 5.000,00 se revela razoável e proporcional ao constrangimento e impedimento sofrido pela apelada, restando impossibilitada de festejar, na área de festas do condomínio, o aniversário de sua neta, devendo ser prestigiada, nos termos do Verbete de Súmula nº 343 deste TJRJ. 6. Recurso de indexador 214 não conhecido. Recurso do réu desprovido, majorando-se os honorários sucumbenciais, em desfavor do réu/apelante, para 12% sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, § 11, do CPC. INTEIRO TEOR Íntegra do Acórdão – Data de Julgamento: 24/06/2020 – Data de Publicação: 25/06/2020 (*)”

Conforme podemos concluir não há previsão alguma na legislação que autorize a proibição do uso das áreas comuns pelo condômino inadimplente, ao contrário, essa atitude é considerada abusiva e se levada a juízo trará sérios prejuízos financeiros ao condomínio que certamente será condenado ao pagamento de indenização por danos morais ao condômino inadimplente.

E caso você se depare com alguma Convenção Condominial que estipule esta prática, esse é o momento de atualizá-la, ou seja, adequá-la às normas vigentes como forma também de evitar problemas no dia a dia da sua gestão. Importante que o (a) síndico (a) tome decisões pautadas na legalidade, na ética, mas pra isso, é necessário que ele conte com um jurídico especializado na área que o auxiliará no dia a dia, e impedirá a ocorrência de mais transtornos em sua gestão.

– Texto de Fernanda Souza
Advogada Condominial e Síndica Profissional
sindica.fernandasouza@gmaill.com